Pacto comissório | Análise do Artigo 694.º do Código Civil Português
Artigo 694.º - Pacto comissório
“É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.”
Conceito e Origem do Pacto Comissório
O pacto comissório é uma cláusula contratual pela qual o credor pode tomar posse do bem dado em garantia (como uma hipoteca) automaticamente em caso de incumprimento do devedor. Esta prática remonta ao Direito Romano, onde já era vista como problemática devido ao potencial de abuso por parte do credor.
Razões para a Nulidade
1. Proteção do Devedor
• Equilíbrio nas Relações Contratuais: A nulidade do pacto comissório protege o devedor contra a possibilidade de perder o bem dado em garantia sem um processo judicial adequado. Este princípio assegura que o credor não pode simplesmente apropriar-se do bem sem passar pelo devido processo legal.
• Direitos de Defesa: Permitir a apropriação direta do bem por parte do credor poderia resultar em situações injustas, onde o devedor não teria oportunidade de contestar a execução ou apresentar uma defesa adequada.
2. Justiça e Equidade
• Execução Judicial: A necessidade de um processo judicial para a execução de garantias é essencial para garantir que todos os aspetos legais e equitativos sejam considerados. A justiça só pode ser assegurada quando há supervisão judicial que analisa as circunstâncias específicas de cada caso.
• Avaliação Adequada: O processo judicial permite uma avaliação adequada do valor do bem, prevenindo que o credor se aproprie de um bem com valor significativamente superior ao montante da dívida.
3. Histórico Jurídico
• Influência do Direito Romano: No Direito Romano, o pacto comissório era proibido para evitar abusos contra devedores. Esta tradição foi adotada e mantida em muitos sistemas jurídicos modernos, incluindo o sistema jurídico português, refletindo a preocupação contínua com a justiça e a equidade nas relações contratuais.
• Legislação Comparada: Muitos países, como França, Espanha e Alemanha, possuem disposições semelhantes que proíbem o pacto comissório, demonstrando uma abordagem comum na proteção dos devedores.
Implicações Práticas da Nulidade
1. Para Credores
• Recurso ao Tribunal: Os credores devem recorrer aos tribunais para executar garantias, respeitando os procedimentos legais estabelecidos. Isto assegura que a execução seja realizada de forma justa e transparente.
• Segurança Jurídica: A necessidade de supervisão judicial oferece uma segurança jurídica adicional, garantindo que todas as partes envolvidas sejam tratadas de maneira equitativa.
2. Para Devedores
• Proteção Contra Abusos: Os devedores estão protegidos contra a apropriação arbitrária dos seus bens. O processo judicial oferece uma oportunidade para contestar a execução e defender os seus direitos.
• Justiça na Avaliação: A intervenção judicial garante que a avaliação do bem dado em garantia seja justa e equitativa, prevenindo a perda de bens com valor superior ao da dívida.
Exemplos Práticos
• Hipotecas: Em contratos de hipoteca, a nulidade do pacto comissório impede que o banco ou instituição financeira se aproprie automaticamente do imóvel em caso de incumprimento do devedor. O processo de execução hipotecária deve seguir os trâmites legais apropriados, incluindo a intervenção judicial.
• Contratos de Penhor: Da mesma forma, em contratos de penhor, o credor não pode simplesmente tomar posse do bem penhorado em caso de incumprimento. A execução deve ser realizada judicialmente, assegurando que os direitos do devedor sejam respeitados.
Perspectiva Internacional
Comparativamente, o Direito Francês também proíbe o pacto comissório (art. 2462 do Código Civil Francês), refletindo uma abordagem similar na proteção dos devedores. No Direito Alemão, o § 1204 do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) proíbe o credor de se apropriar do bem dado em penhor diretamente, exigindo um processo judicial para a execução.
Conclusão
O artigo 694.º do Código Civil Português desempenha um papel crucial na proteção dos direitos dos devedores e na manutenção da justiça nas relações contratuais. Ao declarar nulo o pacto comissório, o legislador português assegura que qualquer execução de dívida hipotecária passe pelo crivo judicial, garantindo um tratamento equitativo e respeitoso para ambas as partes envolvidas.