TÓPICOS ESSENCIAIS DA PROPRIEDADE HORIZONTAL EM PORTUGAL: DIREITOS, OBRIGAÇÕES E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
A propriedade horizontal é um instituto jurídico que permite a divisão e a organização de um edifício em unidades autónomas, atribuindo a cada uma delas a qualidade de propriedade privativa, ao mesmo tempo em que estabelece as áreas e os elementos comuns a todos os condóminos, bem como as regras e os procedimentos para a gestão e a conservação do edifício. Neste texto, abordaremos os principais aspectos relacionados à propriedade horizontal, tais como a sua constituição, os direitos e as obrigações dos condóminos, a administração do condomínio e a resolução de conflitos.
Constituição da propriedade horizontal
1.1. Conceito e requisitos
A propriedade horizontal consiste na coexistência de duas formas de propriedade: a propriedade privativa, referente às fracções autónomas, e a propriedade comum, relativa às áreas e aos elementos comuns do edifício. A constituição da propriedade horizontal é regulada pelo Código Civil português, nos artigos 1414.º a 1438.º-A, e pressupõe o cumprimento dos seguintes requisitos:
a) Existência de um edifício ou conjunto de edifícios contíguos, cujas partes sejam suscetíveis de aproveitamento independente;
b) Elaboração de um título constitutivo, que deve conter a descrição das fracções autónomas e das áreas comuns, a quota-parte de cada condómino nas partes comuns, o valor relativo das fracções e o fim a que se destinam;
c) Inscrição do título constitutivo no Registo Predial, conferindo publicidade e oponibilidade perante terceiros.
1.2. Título constitutivo e regulamento do condomínio
O título constitutivo é o documento que estabelece e define a propriedade horizontal, devendo ser lavrado por escritura pública, documento particular autenticado ou documento particular com reconhecimento presencial de assinaturas. O título constitutivo pode incluir um regulamento do condomínio, que estipula as normas de uso, de fruição e de conservação das partes comuns, os direitos e as obrigações dos condóminos, a administração do condomínio e outras disposições relevantes. Na falta de regulamento no título constitutivo, aplicam-se as disposições legais supletivas previstas no Código Civil.
Direitos e obrigações dos condóminos
2.1. Direitos dos condóminos
Os condóminos têm os seguintes direitos, decorrentes da propriedade privativa e da propriedade comum:
a) Uso, fruição e disposição das fracções autónomas, dentro dos limites legais e regulamentares e sem prejuízo dos direitos dos demais condóminos e dos terceiros;
b) Uso e fruição das partes comuns, em conformidade com a sua destinação e de modo a não prejudicar o direito dos outros condóminos;
c) Participação na assembleia de condóminos, com direito a voto proporcional à quota-parte no valor total do prédio;
d) Acesso às informações e aos documentos relativos à gestão do condomínio, incluindo as actas das assembleias de condóminos, os relatórios de contas, os contratos e os orçamentos;
2.2. Obrigações dos condóminos
As obrigações dos condóminos decorrem, principalmente, da necessidade de convivência harmoniosa e do respeito mútuo entre os proprietários e moradores do edifício, bem como da contribuição para a manutenção e a valorização das áreas e dos elementos comuns. Entre as obrigações dos condóminos, destacam-se:
a) Cumprir e fazer cumprir o título constitutivo, o regulamento do condomínio e as deliberações da assembleia de condóminos;
b) Não prejudicar a segurança, a salubridade, a estética e a funcionalidade do edifício, mediante a realização de obras, a instalação de equipamentos ou a adoção de comportamentos inadequados;
c) Obter a autorização prévia da assembleia de condóminos para a realização de obras que alterem a linha arquitetónica ou o arranjo estético das partes comuns ou que afetem a utilização das fracções autónomas pelos demais condóminos;
d) Contribuir para as despesas comuns do condomínio, mediante o pagamento das quotas periódicas fixadas pela assembleia de condóminos, de acordo com a quota-parte no valor total do prédio;
e) Facilitar o acesso às fracções autónomas e às partes comuns, quando necessário para a execução de obras, inspeções, leituras de contadores ou outros fins legítimos, respeitando a privacidade e a tranquilidade dos moradores.
Administração do condomínio
3.1. Assembleia de condóminos
A assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio, composto por todos os proprietários das fracções autónomas, com direito a voto proporcional à quota-parte no valor total do prédio. A assembleia de condóminos tem competência para decidir sobre as questões relacionadas ao uso, à fruição, à conservação, à administração e à gestão das partes comuns, à eleição e à destituição do administrador, à aprovação do orçamento, das contas e das quotas, à alteração do regulamento do condomínio, à autorização de obras e à resolução de conflitos entre os condóminos.
3.2. Administrador
O administrador é o representante e o gestor do condomínio, eleito pela assembleia de condóminos para um mandato de um ano, renovável. O administrador tem atribuições e responsabilidades de natureza administrativa, financeira, técnica e jurídica, tais como:
a) Convocar e presidir às assembleias de condóminos, elaborar as actas e assegurar o cumprimento das deliberações;
b) Elaborar e executar o orçamento, gerir as receitas e as despesas, cobrar as quotas e prestar contas aos condóminos;
c) Zelar pela conservação, pela manutenção e pela segurança das partes comuns, promovendo as obras e as intervenções necessárias, em conformidade com as normas legais e regulamentares e com as deliberações da assembleia de condóminos;
d) Contratar e supervisionar os serviços e os fornecedores, tais como a limpeza, o jardim, a vigilância, o seguro, a energia, a água, o gás e as comunicações;
e) Estabelecer e manter a comunicação e a colaboração entre os condóminos, prestando informações, esclarecimentos e apoio, bem como mediar e solucionar eventuais conflitos e problemas;
f) Representar o condomínio perante as autoridades administrativas, fiscais, policiais e judiciais, apresentando queixas, denúncias, reclamações, recursos e acções, em defesa dos interesses e dos direitos dos condóminos;
g) Cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis à propriedade horizontal, à segurança, à salubridade, à estética e à funcionalidade do edifício, adotando as medidas preventivas e correctivas adequadas.
Resolução de conflitos na propriedade horizontal
4.1. Mediação e conciliação
A mediação e a conciliação são meios alternativos de resolução de conflitos na propriedade horizontal, que visam à negociação, ao entendimento e ao acordo entre as partes envolvidas, com a intervenção de um mediador ou conciliador, que pode ser o próprio administrador, um condómino ou um profissional especializado. A mediação e a conciliação têm as vantagens da rapidez, da flexibilidade, da confidencialidade, da cooperação e da preservação das relações entre os condóminos, evitando o desgaste, a morosidade, o custo e a publicidade dos processos judiciais.
4.2. Arbitragem
A arbitragem é outro meio alternativo de resolução de conflitos na propriedade horizontal, que consiste na submissão do litígio a um árbitro ou tribunal arbitral, que decidirá a questão com base na lei, na equidade ou no regulamento do condomínio, conforme acordado pelas partes. A arbitragem tem as vantagens da rapidez, da especialização, da flexibilidade, da confidencialidade e da eficácia da decisão, que tem natureza e efeitos equivalentes aos de uma sentença judicial.
4.3. Acção judicial
A acção judicial pode ser proposta pelos condóminos, individualmente ou em conjunto, ou pelo administrador, em nome próprio ou representando o condomínio, para a defesa dos direitos e dos interesses relacionados à propriedade privativa, à propriedade comum, à administração do condomínio e à responsabilidade civil dos condóminos, dos administradores e de terceiros, como os prestadores de serviços e os fornecedores. Entre as acções judiciais mais frequentes na propriedade horizontal, destacam-se:
a) Acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, por violação da lei, do regulamento do condomínio ou dos princípios gerais de direito;
b) Acção de cumprimento ou de resolução de contratos, relacionados à compra e venda, à locação, à permuta, à doação, à empreitada, ao fornecimento ou à prestação de serviços;
c) Acção de indemnização por danos materiais e morais, decorrentes de acidentes, de defeitos, de incumprimentos, de abusos, de perturbações ou de ilícitos praticados pelos condóminos, pelos administradores, pelos moradores ou pelos terceiros;
d) Acção de cobrança de quotas em atraso, de multas, de indemnizações ou de prestações acessórias, devidas pelos condóminos ao condomínio ou a outros condóminos, em virtude das suas obrigações legais ou contratuais;
e) Acção de execução de obras ou de medidas de segurança, de salubridade, de estética ou de funcionalidade, impostas pela lei, pelo regulamento do condomínio, pela assembleia de condóminos ou pelos órgãos públicos competentes.
Conclusão
A propriedade horizontal é uma forma de organização e de convivência que implica o exercício equilibrado e responsável dos direitos e das obrigações dos condóminos, a gestão eficiente e transparente do condomínio e a resolução pacífica e justa dos conflitos e dos problemas que possam surgir no âmbito das relações entre os proprietários, os moradores e os terceiros. Nesse contexto, o papel do Advogado é fundamental para assessorar e representar os condóminos, os administradores e os condomínios nas questões jurídicas, contratuais, processuais e litigiosas relacionadas à propriedade horizontal, contribuindo para a promoção da legalidade, da segurança, da qualidade de vida e da valorização do património imobiliário.