PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS


O princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no artigo 409.º do Código de Processo Penal Português, é um dos pilares fundamentais do direito processual penal, que visa garantir a justiça, a imparcialidade e a tutela dos direitos e interesses das partes no processo. Este princípio estabelece que, em sede de recurso, a decisão impugnada não pode ser alterada em prejuízo do recorrente, ou seja, a instância superior não pode agravar a situação do recorrente em relação à decisão recorrida, salvo em casos excepcionais previstos na lei. A proibição da reformatio in pejus tem como corolário o princípio do efeito devolutivo limitado do recurso, segundo o qual o recurso só devolve à instância superior a apreciação da matéria impugnada pelo recorrente, sem abranger as questões não recorridas ou as partes não prejudicadas pela decisão.

Fundamentos e razões da proibição da reformatio in pejus

O princípio da proibição da reformatio in pejus assenta em diversos fundamentos e razões de ordem jurídica, política, social e ética, que justificam a sua consagração e aplicação no direito processual penal Português. Entre os principais fundamentos e razões, destacam-se:

  1. A garantia da justiça e da imparcialidade do processo penal, evitando que a instância superior, ao julgar o recurso, possa adotar uma decisão mais gravosa para o recorrente, em função dos seus próprios critérios, interesses ou conveniências, sem respeitar os limites e as regras do processo e do recurso;

  2. A proteção dos direitos e interesses das partes no processo penal, assegurando que o recurso não possa ser utilizado como meio de agravamento da sua situação jurídica, patrimonial ou pessoal, mas apenas como instrumento de impugnação e de revisão da decisão recorrida, em conformidade com os princípios da legalidade, da tipicidade, da igualdade e da proporcionalidade;

  3. A salvaguarda da confiança e da segurança jurídica no sistema de recursos penais, fomentando a previsibilidade, a estabilidade e a certeza das decisões judiciais, e evitando a insegurança, a arbitrariedade e a discricionariedade na sua aplicação e interpretação;

  4. A promoção da economia, da celeridade e da eficácia do processo penal, incentivando as partes a recorrer apenas das decisões que considerem injustas, inadequadas ou ilegais, e desestimulando os recursos meramente dilatórios, abusivos ou temerários, que visem obter vantagens ou benefícios indevidos ou prejudicar os direitos e interesses alheios;

  5. A observância dos princípios constitucionais e internacionais do direito processual penal, tais como o direito ao recurso, o direito à tutela jurisdicional efectiva, o direito ao contraditório, o direito à defesa, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana, que impõem limites e exigências ao poder punitivo do Estado e ao exercício da função jurisdicional, no sentido de assegurar o respeito pelos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e a salvaguarda dos valores e princípios do Estado de Direito Democrático.

Aplicação e exceções à proibição da reformatio in pejus

A proibição da reformatio in pejus aplica-se, em regra, a todos os recursos interpostos no âmbito do processo penal Português, independentemente da sua natureza, do seu objeto, da sua extensão ou da sua fundamentação. Todavia, a lei prevê algumas exceções e situações em que a proibição da reformatio in pejus pode ser afastada ou mitigada, de acordo com os interesses e as circunstâncias específicas do caso concreto, tais como:

  1. Quando a lei expressamente autoriza a instância superior a agravar a decisão recorrida, em virtude de normas, princípios ou razões de interesse público, de ordem pública ou de justiça material, que justifiquem a revisão ou a reforma da decisão em prejuízo do recorrente;

  2. Quando a instância superior, ao julgar o recurso, deteta um erro, uma omissão, uma contradição ou uma violação manifesta e incontornável da lei, que comprometa a validade, a eficácia ou a equidade da decisão recorrida, e que exija a sua correção, a sua complementação ou a sua harmonização, ainda que em prejuízo do recorrente;

  3. Quando o recurso é interposto por ambas as partes, de forma simultânea, sucessiva ou alternativa, e cada uma delas impugna ou contesta uma parte ou um aspecto da decisão recorrida, que possa ser objeto de alteração, de modificação ou de agravamento pela instância superior, sem violar o princípio da proibição da reformatio in pejus;

  4. Quando o recurso é interposto contra uma decisão absolutória ou desfavorável ao arguido, e o Ministério Público, como parte acusatória e representante do interesse público, requer a sua condenação ou a sua agravamento, com base em factos, provas, fundamentos ou argumentos não apreciados, não valorados ou não considerados pela instância inferior.

Conclusão

O princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no artigo 409.º do Código de Processo Penal português, constitui uma garantia fundamental e imprescindível do direito processual penal, que assegura a justiça, a imparcialidade e a proteção dos direitos e interesses das partes no processo de recurso. A sua observância e aplicação pelos tribunais e pelos operadores jurídicos é essencial para a realização dos valores e dos fins do Estado de Direito Democrático, para a tutela dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e para a promoção da confiança e da segurança jurídica no sistema de recursos penais.



Anterior
Anterior

LITISCONSÓRCIO NO DIREITO CIVIL PORTUGUÊS: MODALIDADES, EFEITOS E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Próximo
Próximo

PACTOS DE PREFERÊNCIA?